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Greta Thunberg do movimento 'Fridays for Future' em manifestação
Greta Thunberg do movimento 'Fridays for Future' em manifestação

Davos, na Suíça, sediou, na semana passada, mais uma edição do Fórum Econômico Mundial. Participam deste evento as lideranças das principais empresas do mundo que são membros do Fórum e outras pessoas convidadas, entre as quais estão representantes de países e de ONGs, acadêmicos, líderes religiosos e da mídia.

Nos últimos dois anos, os delegados enviados a Davos tiveram que lidar, principalmente, com as crises de diversas naturezas que decorreram da pandemia de COVID-19. Agora, a guerra entre Rússia e Ucrânia e a crise climática somaram-se às questões que os líderes mundiais têm que enfrentar. Este ano, o Fórum Econômico Mundial teve como pano de fundo dos debates o tema “cooperação em um mundo fragmentado”.

O primeiro encontro de líderes globais de 2023 ocorreu em um contexto de acirramento das tensões na guerra travada no Leste Europeu, com a OTAN oferecendo maior apoio com equipamentos à Ucrânia. Os russos, de outro lado, disseram, mais uma vez, que a carta das armas nucleares está na mão e que eles estão dispostos a usá-la, caso haja risco de perder os avanços territoriais que tiveram na ofensiva militar contra os ucranianos.

A tensão entre as principais potências do mundo tem dificultado os alinhamentos necessários entre os países para enfrentar as mudanças climáticas. Mas o Fórum Econômico Mundial é mais uma oportunidade para este assunto ser debatido com especial atenção, em paralelo às COP do clima, conferências em que o combate ao aquecimento global é o tema principal.

A guerra fiscal por indústrias verdes

Um dos principais destaques de Davos no tema ambiental foi a guerra fiscal entre Estados Unidos e União Europeia. Os europeus utilizaram esse espaço para anunciar novos planos de transição para a economia de baixo carbono, com destaque para a área de energia. Este movimento é uma resposta à política anunciada há alguns meses pelos Estados Unidos de promover benefícios fiscais a indústrias verdes, sobretudo com base em isenções tributárias para o comércio de carros elétricos.

A medida dos EUA foi objeto de atenção dos europeus, que viram o risco de empresas multinacionais transferirem processos produtivos e investimentos da Europa para a América. Nesse contexto, a chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou em Davos mudanças no plano industrial Green New Deal, da UE, para tornar a Europa um centro de tecnologia limpa e inovação mais competitivo.

Esse contexto demonstra uma interessante virada de chave nas disputas comerciais. No passado, empresas migravam suas fábricas para países onde era mais barato produzir com menos cuidados ambientais. Isso levou à evasão de muitas indústrias de países ricos que adotaram normas ambientais mais severas em direção a países mais pobres que aceitavam suportar maior grau de impacto ambiental, tendo como contrapartida a criação de empregos e pagamento de impostos em seus territórios. Isso funcionou muito bem durante décadas para os países mais pobres e ainda funciona para determinadas cadeias produtivas.

Atualmente, contudo, o embate fiscal entre EUA e UE demonstra que os países disputam empresas e indústrias verdes, o que representa um importante amadurecimento da consciência de enfrentamento da crise climática e ambiental como um todo. O desafio, agora, passa por criar mecanismos, apoios financeiros e regulamentos que limitem a poluição, sobretudo aquela que ultrapassa fronteiras, mesmo em países mais dispostos a tolerá-la.

Práticas ESG e mercado voluntário de carbono têm que responder à desconfiança

O Fórum de Davos também ocorreu num contexto no qual uma reportagem do jornal britânico “The Guardian”, com grande repercussão mundial, afirmou que mais de 90% dos créditos de carbono florestais usados para compensar emissões de empresas no mercado voluntário não representam, de fato, qualquer redução de emissões. Essa informação estremeceu a confiança em um ambiente que é promissor, especialmente no contexto em que o mercado de carbono regulado pelo Acordo de Paris patina para se consolidar.

O impacto do “greenwashing” e a confiabilidade das políticas ESG das grandes corporações já estava pautado em diversas sessões durante o Fórum Econômico. A matéria do Guardian sobre os créditos florestais jogou ainda mais luz sobre a importância de haver uma robusta regulamentação – ainda que uma autorregulação – para que a circulação de dinheiro por meio dos mercados de carbono não caia na descrença daqueles que operam estes mecanismos. E isso impacta diretamente o Brasil, que é um dos principais potenciais recebedores de capital proveniente deste tipo de crédito de carbono.

O Brasil em Davos

Vale destacar, ainda, que o governo brasileiro enviou a Davos os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Meio Ambiente e Clima, Marina Silva, em um indicativo da importância que o Brasil dará às questões ambientais e climáticas nos próximos anos.

Em painel realizado durante o Fórum, Marina Silva defendeu o estabelecimento de uma meta global para reduzir a perda de florestas no planeta e reforçou que a proteção da Amazônia não deve ser uma responsabilidade apenas do Brasil. A ministra também reforçou a importância da candidatura da cidade de Belém, capital do Pará, para sediar a COP30, em 2025, que visa mostrar ao mundo o comprometimento do Brasil com a preservação das florestas nativas e com suas metas de combate à crise climática.

O Brasil pode se tornar uma potência ambiental, o que inclui a participação em instrumentos econômicos que visam a preservação e a conservação do meio ambiente.

Para isso, deve envolver-se ativamente na concepção e nos ajustes dos instrumentos de mercado, como os de créditos de carbono, para que sejam cada vez mais confiáveis e transparentes. O correto funcionamento deste tipo de mecanismo será essencial para garantir que os impactos ambientais positivos, de redução de emissões, de sequestro de carbono e de promoção da biodiversidade sejam alcançados, ao mesmo tempo que garantam fluxos financeiros aos países em desenvolvimento.

O Fórum de Davos expôs ao mundo, de maneira mais nítida, os enormes desafios que serão enfrentados na próxima década pela comunidade internacional. As questões são complexas e o mundo se encontra cada vez mais fragmentado e quente. Para nós, a boa notícia é ter o Brasil de volta ao jogo.


Fonte:

André Castro Santos
Um só planeta

 

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